quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

PARA USAR A LÍNGUA DA MANEIRA CORRETA

Para usar a língua da maneira correta                           
Use a criatividade:
declame um poema,
diga bom dia a quem passa,
declare-se a quem ama.

Para usar a língua da maneira correta
Usa a civilidade:
não agrida o diferente,
não cuspa ódio a torto e a direito,
não desrespeite a mulher, o velho, a criança.

Para usar a língua da maneira correta
Use a alegria:
cante aquela canção do Chico,
grite dando bom dia ao sol,
chame o marginal de irmão.

Para usar a língua da maneira correta
Use a malícia:
de um beijo de língua na/o amada/o,
diga segredos de liquidificar,
goze e faça gozar que para isso também é a língua.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

ELA É TÃO POESIA


                                                                  Para Maria Clara Spinelli
Ela é tão poesia
que seus braços viram asas
seus sonhos cometas
seus abraços vulcões

Ela é tão poesia
que seu andar são poemas
sua fala são rimas
o seu choro um rio

Ela é tão poema
que seu corpo é um livro
os seus pés palavras
seu balanço ondas do mar

Ela é tão poesia
que a leio sempre que posso
que me emociono com as letras do seu riso
que gozo com a possibilidade de escrevê-la.

Ela é tão poesia...
Mas eu não sou poeta.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

ARQUIVO

Estudei piano no CPM,
Com a professora Eliana.
Contrabaixo com o primo Ítalo
e violão com o amigo Jairo.
Nada aprendi a não começar a perceber
Minhas limitações.

Cozinhar era proibido por minha avó Lídia.
Nunca pude dançar numa gafieira.
Sobrou apenas ler livros e escrever poemas.

Achava sempre que os outros era que mentiam
Mas já menti sobre o que não fiz,
Já contei vantagens,
Ostentei brilhantes que nunca possui.

Descobri que não sou melhor que ninguém
E que ninguém é melhor do que eu,
Apenas Chico Buarque e Manuel Bandeira.

Tinha manias de limpeza e de arrumação
manias, pensei que era TOC,
jamais deixar um disco fora da capa,
E por nada nesse mundo,
Abandonar um livro, recém lido, fora da estante.

Tímido, senti saudades do que queria e não conseguia fazer.
Ia sempre sozinho aos bares,
Nunca voltava acompanhado:
Apenas uma ou duas vezes.

Não tinha sorte no jogo,
Por outro lado,
nem no amor

Amava os cães, nunca os gatos,
E a maneira intensa com que eles
Me recebiam e davam amor.

Via o pôr do sol em Gaibu
Cheio de rum e Coca-Cola.
Silencioso, ouvia música e sons que só existiam
Na minha imaginação.

Um amigo de infância morrei de Aids,
Outro sumiu no tempo e no espaço.
Sonhávamos um mundo ideal e feliz,
Éramos guerrilheiro, um Che.

Envelhecemos,
Continuo a sonhar
Nunca entregarei as armas, nem meus desejos.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

DE FEBRES E AMBIÇÕES

Guardo os meus desejos
Num velho baú
Presente, na infância,
Da Tia Tininha.
Escondia-o num sótão imaginário
Na velha casa
Do Cabo de Santo Agostinho.
O tempo, este maldito abrasador
Das febres fez-me esquecê-lo,
E dentro dele, todas as minhas
Ambições.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

ESCOMBROS

Sobre todos os escombros,
todos os restos, lixos,
ergui armadilhas, muros,
em volta de mim-cidade.
Desguarnecido, sozinho, desamado
criei esta fortaleza
que agora é visível.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

ESCROTO PROGRAMADOR

Queria dançar,
Mas a porra que me criou não permitiu.
Alguns queria apenas comida,
Mas o velho escroto programador
Apenas riu.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

ANUNCIAÇÃO

Quando a manhã preguiçosamente se anuncia,
antes de avistar a luz do sol, frondosa árvore ardente,
meus olhos, indiferentes a tanta majestade,
procuram apenas você, qual rebento ao seio materno.
Teus seios me olham, teu corpo negro sorri...
Formam um sonho e desperto.
Existes somente enquanto os sonhos permitem.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

ME NINA

Que mundos escondes em teus olhos
Verdes?
Teus filmes, teus sonhos, teus desejos:
Nada sei de ti.
Teu corpo esguio, longa estrada a ser percorrida
Por meus olhos, minhas mãos...
Acordo...

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

ORAÇÃOZINHA

Obrigado, Baco, por mim presentear
com o vinho. Deste modo
meus filhos não me chamaram de covarde.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

DESCRIÇÕES

Descreva o vermelho. Descreva
o sabor do café. E esse desejo imenso
de cometer suicídio? Descrevo-o.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

LITURGIA

Religiões?  Perigo.
- Dois toques na madeira
com os nós dos dedos.
Se morrer haverá perigo.
Renascer?
Sei que não é impossível.
Amar?
Só por profissão.
Tenho tanta fome de pão.
Enfrentar o perigo?
Nunca, nem quando for preciso.
Da bondade conheço as mentiras.
Sei me esconder quando é preciso
para ressuscitar novamente:
Aprendi com a vida
O segredo dos canalhas.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

TENHO TIDO PENSAMENTOS OBSESSIVOS

Tenho tido pensamentos obsessivos.
Não sei como lidar com eles,
desde sempre, por isso sofro.
A depressão não me larga, tal qual uma culpa.
Tudo terminará com uma solução
clássica: o suicídio?
Ou a poesia me salvará?
Só o programador, Demiurgo, sabe a resposta.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O VELHO FANTASMA DE EU-MENINO

O velho fantasma de eu-menino
teima em visitar-me,
justamente nas noites de minhas insônias.
Revisito amores, desejos e derrotas.
São minhas todas as lembranças,
só minhas, a mais ninguém interessa.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

NÃO AFASTE DE MIM ESTE CÁLICE

Não afaste de mim este cálice.
Quero bebê-lo, entorná-lo
até o entorpecimento;
Estou cansado da razão.
Venham a mim apenas os vinhos
E seus efeitos inebriantes.
Não sou Cristo, mas, Guevara.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

KOBANE, MEU AMOR!

Sempre me guiei pela justiça,
Mesmo sem saber o que a mesma significava.
Quando criança perguntava ao meu pai:
Por que todos não ganham iguais? Todos.
Não lembro da sua resposta.
Mas o meu olhar é justo, sempre o foi.
A justiça é o Norte, o meu Norte.

Sonhava em lutar na guerra civil espanhola,
E pensava: como nasci atrasado...

Mas hoje vejo Kobane.
Sonho com kobane: eu guerrilheiro pela justiça.

Meu corpo deficiente sonha com Kobane.
Aceitarão soldado já mutilado pela pólio?
Kobane é o meu poema, a minha luta, o meu sonho.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A OSTRA


Invadiste-me tão rápido quanto uma dor,
não tive tempo de cobrir-te com minha madrepérola.

No entanto, fiz uma peruca com teus pelos,
esquecidos em meu corpo displicentemente pelo teu.

Travesti-me de ti e assim pude me amar
como nunca me amei.

Minhas saudades passaram a ser narcísicas.
Cada vez mais guardava-me do outro.

Tua ausência transformou-me numa enorme ostra
cheia de músculos e rancores.

Sou todo uma pérola de nácar gigante
de amor-próprio, solidão e desesperanças.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

AS CORES GALDINAS

Vi tuas cores:
Psicodeliquei.
Haviam ali todas as flores?
Não vi fantasmas de pássaros,
Nem borboletas de vidro.
Apenas teus sorrisos:
Um ninho.
O verde dos olhos e
O vermelho do vinho.
Qual as cores da fome?
Serão as mesmas do delírio?
Os versos do poema
Deslizam na foto:
O amor em cores.
Os signos não são o real?
Existe alguém,
Nina,  que não se
Apaixone pelo arco-iris
Neste planeta verde
E vermelho?

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

FUNCIONÁRIO PÚBLICO

Exageradamente infeliz.
Prisioneiro.
Longe do sol e da vida,
aqui nesta sala onde ganho o meu pão
e minha vodca.
Onde perco minha felicidade, minha sanidade.
A burocracia vai me enlouquecendo.

Burocrata,
copio a cópia de relatórios técnicos
que mesmo copiado são revisados.
Relatórios técnicos
que nada tem a dizer,
a não ser: tédio, vaidade, futilidade.

A tristeza me invade como uma onda
onde afogo-me de corpo, alma e desespero.
Preciso do mar, preciso do sol, preciso sorrir.
Preciso da música e beber qualquer coisa que contenha álcool.
Libertar meus olhos da tela do computador,
o meu corpo da sala com ar-condicionado,
a minha alma da catraca do ponto,
fugir da monotonia, da monotonia, da monotonia…

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

PARA ALEGRAR A VELHICE

Beber um copo d'água no escuro
– ou de olhos fechados –
e se transformar em um rio não sagrado.

Banhar-se sempre que estiver cansado,
descarregando tonelada de dores
que habitam o corpo e as memórias.

Dormir com a pessoa amada
sem precisar fazer sexo
ou se preocupar por não fazê-lo.

Acordar com o cheiro de um bom café,
servido na sua xícara proferida,
cantarolando aquela canção do Chico.

Trazer a mente, sempre e quando quiser,
as lembranças da infância, principalmente
aquelas vividas junto ao mar.

Recordar um amor não correspondido e sorrir,
lembrando que toda dor,
mas também toda felicidade, são passageiras.

Não ter inimigos pessoais, mas,
lutar sempre pela justiça e pão,
mesmo que isto gere inimizades e perseguições.

Deixar que as conversas com os amigos, os bêbados
e os poetas, sejam regadas a cervejas geladas
e acompanhadas de versos de Bandeira à maneira de ponche

Embriagar-se nos sorrisos dos netos
neófitos para o sofrimento
e famintos pelo aprendizado.

Morrer sem deixar nenhuma grande tarefa inconclusa,
por isso abuse sempre do amor, e se manter longe do engodo
que são as religiões e as mentiras, fábricas de ódio.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

AOS DIAS VINDOUROS

Antes que a noite caia sobre os nossos ombros,
como antes noites tão densas nos sufocaram
e abafaram nossas vozes magras: oremos.

As dores que cheiravam a rosas queimadas
incensavam as ventas da pobre democracia
e leões bíblicos fardados e obedientes: devorava-nos.

Escondidos feito ratos em becos sujos
sonhávamos em densas cores a moribunda liberdade
ah esse monstro que é o fascismo, poderá ser derrotado?: lutemos.

O horror transforma o homem em fera.
Foi assim na Bastilha, será assim em todas as revoluções
A liberdade sem o pão é fera, sem a justiça é terror: devoremo-nos.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

DE RITUAIS E COSTUMES

Quando eu morrer
nenhuma virgem jogará flores
em meu túmulo.

Nunca me relacionei bem com virgens,
que são mulheres ainda em gestação,
prefiro as mulheres já nascidas.

Serei cremado.
Sei que é menos poético,
mas, é mais higiênico.

As minhas cinzas joguem onde quiserem:
que não sejam entregues a nenhum fumante,
nem as guardem em túmulos bibelôs.

O mar seria um grande abrigo.
Mas também o campo. Talvez ao ar,
onde se dissiparão todas as dúvidas e dores.

Por fim, meu testamento não deve ser cumprido.
Se em vida minhas vontades foram reprimidas,
por que na morte me darão prazeres e voz?

Há de ter coerência toda a existência,
mas, também a sua ausência. O tudo e o nada
fazem um belo casamento, inclusive na morte.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

ROTEIRO

Ter como primeiro amor a sua professorinha de primário.
Este amor será para sempre.

Descobrir que sexo e amor tem tudo a ver,
assim como que  o sexo não é para sempre,
e o amor é menos que a amizade.

Ler todos os livros que lhe caiam nas mãos,
bem como todas as músicas que lhe chegavam aos ouvidos.
Ver todos os filmes, curtir todos os amigos,
amar todos os amores.

Entrar na faculdade sem saber o curso que se quer cursar.
Abandonar o primeiro curso;
concluir o segundo;
e, adiar, para depois dos quarenta,
o curso que você sempre quis fazer
e não sabia, quando tinha dezoito. 

Provar o álcool, a maconha e,
quem sabe, outras drogas ilícitas –
não se julgue por isso -
e descobrir que os bandidos, os marginais, os maconheiros,
somos nós mesmos.

Não ter uma religião e odiar as outras.
Se possível semear o agnosticismo que,
com certeza nos levará ao ateísmo,
que é a estrada para a liberdade e a tolerância.

Saber quem são os seus artistas preferidos,
citar os melhores dez romances que já leu,
declamar seu poeta mais amado,
cantar a canção do seu Chico mais querido.

Ter na ponta da língua aquela canção que te faz chorar,
bom ou bêbado, bem acompanhado ou sozinho.

Lembrar do seu primeiro porre, da sua primeira transa,
do seu primeiro fracasso amoroso e,
assim, semear a certeza de que somos humanos, irmãos, falhos, iguais.
  
Não definir as pessoas por sua riqueza ou posição social,
mas por seu caráter, por seu amor a humanidade,
seja ela branca, negra ou azul; gay, lésbica ou trans;
baixinha, barriguda ou portadora de deficiência.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

PECADOS


Perdi o meu cabaço
com a minha mão direita,
viajando numa estória
do Carlos Zéfiro.

Minha avó descobriu meu catecismo
e o jogou fora,
obrigou-me a confessar-me
com um padre
que, graças a deus, – ou ao diabo – não era pedófilo.

Confessei, por vergonha, que havia cometido
o pecado da gula,
receitou-me tantas ave-marias
e outros tantos padres-nossos.

Imaginou-me, o cura, a entupir-me
de doces e guloseimas,
quando na verdade era de bronha.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

VIGÍLIA

O ritual do sono cumprido.
O corpo lavado, quase nu,
inerte, na cama, solitário.
A insônia, e seus braços largos, enlaçam-me,
e a pequena morte noturna não vem.
O fracasso no amor, as dívidas,
o medo e o ridículo diante do sexo na velhice,
tudo são impotências deixadas de lado.
Mas, nada,
indiferente ao cansaço, ao desespero e a dor,
o sono se esvai, a esperança é abortada,
e a insônia arde-me os olhos
Qual um sol à meia noite.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

UM POEMA DE MENINA


Para Bárbara Rodrigues, a Babi

Brincando na areia da praia de minha infância,
encontrei um tesouro perdido de longa data,
pertenceu ao pirata da Perna de Pau.

Um dia na granja de um tio, de férias escolares,
em uma goiabeira florida de sonhos,
encontrei uma estrela jovem, ainda, e brilhante.

Nunca fui a um garimpo de desejos inalcançáveis.
mas, havia, em meu sonho azul, um diamante raro,
colhi-o e hoje ele mora no meu coração de velho avô.

A amizade é algo mais precioso do que o tesouro do pirata,
é mais brilhante do que as estrelas em mutações,
e mais rara do que diamantes caros e cobiçados.

Ter uma amiga não é apenas tirar a sorte grande.
É mais. Babi não é apenas uma amiga. É um poema,
Uma caixinha de surpresa, fada, sem ser madrinha.

É uma bailarina sapeca, que sorri e encanta,
em sua caixinha de músicas, as almas mais leves e distraídas
com as suas travessuras de menina lua brincante.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

MOIRA

Não, não gostaria de ter sido infiel
às mulheres que amei,
às que me amaram,
às que não me amaram,
às que foram fieis,
às infiéis, mas não fui.
Em atos, pensamentos e repetições.
E a porra da culpa cristã, até hoje, me persegue.

Não, não gostaria de criança ter sido
acometido pela pólio, mas fui.
A depressão, inimiga traiçoeira,
não foi minha escolha.
Viver em uma sociedade capitalista
Foi o destino?
Não!
Que forças me levam ao álcool, às vaginas
E ao desespero?

Não, não gostaria de que meu pau
não mais subisse,
que minha libido tenha se esvaído
com as drogas que não me deixam deprimir.
Não, não gostaria...

Mas, parece-me que nada decido sobre mim,
Sobre minha natureza, meu sexo, meus terrores.

Será?