quinta-feira, 25 de julho de 2019

ROTEIRO

Ter como primeiro amor a sua professorinha de primário.
Este amor será para sempre.

Descobrir que sexo e amor tem tudo a ver,
assim como que  o sexo não é para sempre,
e o amor é menos que a amizade.

Ler todos os livros que lhe caiam nas mãos,
bem como todas as músicas que lhe chegavam aos ouvidos.
Ver todos os filmes, curtir todos os amigos,
amar todos os amores.

Entrar na faculdade sem saber o curso que se quer cursar.
Abandonar o primeiro curso;
concluir o segundo;
e, adiar, para depois dos quarenta,
o curso que você sempre quis fazer
e não sabia, quando tinha dezoito. 

Provar o álcool, a maconha e,
quem sabe, outras drogas ilícitas –
não se julgue por isso -
e descobrir que os bandidos, os marginais, os maconheiros,
somos nós mesmos.

Não ter uma religião e odiar as outras.
Se possível semear o agnosticismo que,
com certeza nos levará ao ateísmo,
que é a estrada para a liberdade e a tolerância.

Saber quem são os seus artistas preferidos,
citar os melhores dez romances que já leu,
declamar seu poeta mais amado,
cantar a canção do seu Chico mais querido.

Ter na ponta da língua aquela canção que te faz chorar,
bom ou bêbado, bem acompanhado ou sozinho.

Lembrar do seu primeiro porre, da sua primeira transa,
do seu primeiro fracasso amoroso e,
assim, semear a certeza de que somos humanos, irmãos, falhos, iguais.
  
Não definir as pessoas por sua riqueza ou posição social,
mas por seu caráter, por seu amor a humanidade,
seja ela branca, negra ou azul; gay, lésbica ou trans;
baixinha, barriguda ou portadora de deficiência.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

PECADOS


Perdi o meu cabaço
com a minha mão direita,
viajando numa estória
do Carlos Zéfiro.

Minha avó descobriu meu catecismo
e o jogou fora,
obrigou-me a confessar-me
com um padre
que, graças a deus, – ou ao diabo – não era pedófilo.

Confessei, por vergonha, que havia cometido
o pecado da gula,
receitou-me tantas ave-marias
e outros tantos padres-nossos.

Imaginou-me, o cura, a entupir-me
de doces e guloseimas,
quando na verdade era de bronha.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

VIGÍLIA

O ritual do sono cumprido.
O corpo lavado, quase nu,
inerte, na cama, solitário.
A insônia, e seus braços largos, enlaçam-me,
e a pequena morte noturna não vem.
O fracasso no amor, as dívidas,
o medo e o ridículo diante do sexo na velhice,
tudo são impotências deixadas de lado.
Mas, nada,
indiferente ao cansaço, ao desespero e a dor,
o sono se esvai, a esperança é abortada,
e a insônia arde-me os olhos
Qual um sol à meia noite.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

UM POEMA DE MENINA


Para Bárbara Rodrigues, a Babi

Brincando na areia da praia de minha infância,
encontrei um tesouro perdido de longa data,
pertenceu ao pirata da Perna de Pau.

Um dia na granja de um tio, de férias escolares,
em uma goiabeira florida de sonhos,
encontrei uma estrela jovem, ainda, e brilhante.

Nunca fui a um garimpo de desejos inalcançáveis.
mas, havia, em meu sonho azul, um diamante raro,
colhi-o e hoje ele mora no meu coração de velho avô.

A amizade é algo mais precioso do que o tesouro do pirata,
é mais brilhante do que as estrelas em mutações,
e mais rara do que diamantes caros e cobiçados.

Ter uma amiga não é apenas tirar a sorte grande.
É mais. Babi não é apenas uma amiga. É um poema,
Uma caixinha de surpresa, fada, sem ser madrinha.

É uma bailarina sapeca, que sorri e encanta,
em sua caixinha de músicas, as almas mais leves e distraídas
com as suas travessuras de menina lua brincante.