quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

CARPINA


Carpina,
Rua de São José, número oitenta.

Primeiras e caras lembranças:
a cachorra Balalaica;
a máquina de costura de minha avó Lídia
           
(quantos mistérios a serem explorados!
Acho que foi o meu primeiro deslumbramento).

A Praça dos Leões
e seus pés de coração-de-negro.

A casa era grande
(ou a imaginação?),
da porta ao portão,
um longo corredor
de onde eu, menino,
observava a chuva
e sentia (resignado?)
a impossibilidade de correr
e me molhar.

Os próximos quadros
me levam ao bairro da Encruzilhada,
já em Recife.

A casa de Tia Clarisse, primeiro andar.

Os bombons jogados por Adalgisa para mim,
do quintal de sua casa
para a varanda do primeiro andar
do quarto onde eu dormia.

São minhas mais agradáveis lembranças.

Pontas de Pedra.

Lembro-me dos seus morcegos,
que atacavam as árvores frutíferas,
dos sapotizeiros, da igrejinha,
dos espantalhos que o Padre mandava fazer
(um dia recebi um de presente).

Lembro-me da festa do padroeiro.

As músicas da divulgadora local:
Cinderela, na voz de Ângela Maria;
O Trovador, na voz de Altemar Dutra;
A Praça, não sei se na voz de Chico
ou de Ronnie Von.

Do mar de Pontas de Pedra,
veio o meu primeiro amor: Emília.

Um dia, deitado na rede,
Emília me beijou na boca,
(um beijo de crianças).

O beijo mais sincero que já recebi.

Ainda hoje guardo um cartão
de feliz natal de 1966,
de Emília para mim.

(Onde estará Emília? Será feliz?)

Ah, o louco da cidade
e a sua mania pelos urubus
que sujavam os céus.

O resto são saudades:
saudades da inocência,
saudades da alienação
(como era belo e bom
o meu mundo),
saudades dos bombons de Adalgisa,
saudades dos carinhos de minha avó Lídia,
saudades de Emília, meu primeiro amor
(quando amarei de novo?).

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