quinta-feira, 30 de maio de 2019

O AMOR

O amor quando chega não manda aviso.
Nenhum telefonema ou telegrama.
Mete o pé na porta e sorri.
Deita-se na sua cama sem cerimônia,
Janta sua janta, bebe seu vinho,
Banha-se em suas águas.

O amor sempre deixa a sua marca,
O seu nome:
Amélia, Doralice, Emília, Carolina, Clarice, Marina, Maria...
Quando chega é um furação,
Quando se vai uma tristeza sem fim,
Uma dor sem remédio,
Um livro cheio de desprazer e desespero.

Mas o amor é antes de tudo um aviso:
Estamos vivos, temos uma pele e a vida é aqui e agora.
Multiplicamos os beijos e as juras.
Os sorrisos passam a ser uma epidemia.
Enquanto está vivo e infinito estamos vivos e infinitos.
Mas tudo na vida tem um fim, inclusive a vida.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

SEREI SOLDADO CONTRA O FASCISMO

Para Thomas Sankara

Estou pronto para a luta,
a luta a(r)mada.
Cinquenta e três anos,
de indignação e álcool,
são um fermento e tanto.

O recado está dado.
Convoquem-me, sou soldado.
Convoco-vos!

Não tenho armas senão as palavras,
o coração, a vontade e as mãos,
que mesmo limitadas pela pólio
têm sede de justiça.

Faltam-nos alimentos e munição? Mas,
sobram-nos a vontade e a fraternidade.
O homem não vive só de pão,
- embora sem o pão morra, por isso a nossa luta -
mas, também de poesia e sonho.

O sonho é a matéria mais importante do universo.
Na luta, nos superamos, somos a maioria.
Um irmão mais um irmão,
um operário mais um operário,
um injustiçado mais um injustiçado,
são sempre mais que dois.

Eles têm medo, e nós não.
Os burgueses, os militares – não nacionalistas –, os rentistas,
tremem diante da multidão.

Os reis tremem e são guilhotinados.
Os banqueiros fogem feito cães.
Os militares nacionalistas, diante da luta justa,
reforçam nossas trincheiras.
Não ter medo da morte é uma vantagem,
diferentemente dos que só pensam nas recompensas
do dinheiro e do poder.

O canto está cantado.
O poema está feito.
Estamos todos alertas!
Os líderes são os trabalhadores explorados.
Avente exércitos!
Tentaremos, mais uma vez e sempre,
enquanto sonhos existirem,
mesmo que uma nova derrota adie o novo mundo socialista:
que os fascistas não passem.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

O POEMA E A SOLIDÃO

Fazer poemas é uma arte solitária,
e o poeta que não é lido,
disseram-me, a alma vai para o limbo.
Será?

Nunca tive na vida talento para nada,
terei na morte?
Não sei, não sei...
Duvido.

Meu pai me queria doutor,
médico ou juiz,
como são engraçados os pais.

Tornei-me,
para desespero de minha alma,
comunista,
mas nunca tive carteirinha.

Quem recebe a maior maldição,
O comunista ou o ateu?
O alcoólatra ou o poeta?
Sou tudo isso e mais algumas coisas.

Queria-me músico,
não fui, não tinha talento.
Bailarino,
não pude, a pólio não me deixou.
Quantas impossibilidades!

Restou-me, para viver,
ser servidor público: prostituto.
Mas, claro, sempre com a ajuda do uísque.
Calma,  Maiakovski, da vodca também!

Quem não vive sem uma muleta?
Ou sem uma cadeira de rodas?

Cansei da solidão,
vai-te embora poesia! Grito.
Mas ela se faz mouca.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

QUADRILHA

Plagiando Drummond

Itárcio amava Emília que amava Itárcio, mas eram tão crianças.
E o amor não passou de uns verões em Pontas de Pedras.
O tempo, esta quadrilha, roubou-me a inocência.
De Emília nunca mais tive notícias, se casou, se amou, se morreu.
O amor costuma vir visitar-me de tempos em tempos.
Mesmo sem ser convidado, deita-se em minha cama,
abusa de minha intimidade, bebe minhas cervejas, faz dívidas que tenho que pagar.
Ah os agiotas! As amantes e o delírio.
Cansado, acostumou-se a abandonar-me, quando penso que o aprisionei
Será a solidão minha penúltima morada?

quinta-feira, 2 de maio de 2019

AUTORRETRATO

Plagiando Bandeira

Interiorano,
nascido na zona da mata pernambucana,
nunca soube
usar gravata:
- apenas no casamento,
quiçá na morte.
Cidadão do mundo,
odeia profundamente as fronteiras e ama os diferentes.
Poeta? Não sabe, não tem certeza...
Mas insiste.
Funcionário público cheio de poeira,
achou na poesia e no uísque
uma maneira
de respirar sob os escombros
da dita sociedade capitalista.
Quis ser músico, não tinha talento;
guerrilheiro, não pôde,
a pólio o acertou,
qual mercenário estadunidense,
numa esquina mal iluminada,
numa certa manhã de novembro.
Acreditou um dia em Deus, no outro em Nietzsche.
Em matéria de sonho: um suicida profissional.