quinta-feira, 30 de agosto de 2018

QUERO APENAS O TEU SORRISO

Quero apenas o teu sorriso.
Não necessariamente o teu corpo
ou os teus caminhos.
Teus caprichos, tua atenção,
desejos?
Não necessariamente o teu tesão.
Minha libido, a velha memória esqueceu
em algum cantinho do tempo,
cavaleiro invencível.
Desejo o paraíso:
quero apenas o teu sorriso.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

SONETO DA TRISTE HERANÇA

Andava triste, por nunca conseguir um agente para os meus poemas,
tudo parecia tão fácil na biografia dos poetas mortos.
Peguei o meu copo com uísque, entre as trêmulas mãos dos meus cinquent’anos,
pensei num suicídio ou num bolero: melhor um gole.

Busquei refúgio nos meus livros, tantos deles desertaram a esta hora da batalha,
mas aqueles que ficaram diante de minha decadência anônima, animaram-me.
Abriu-os, livres como um corpo que dança ou se joga ao infinito espaço,
o tempo, instrumento de nossas alucinações, engana-nos na sua imensidão.

O gelo, o copo, a mão trêmula, a ingestão da substância efêmera,
como efêmera é a nossa existência posta aos cinco sentidos,
animal faminto, o homem, a mulher, a libido, o som, o que é desvairado.

Abro um livro, um poema de Quintana, por que o busco: ingrata solidão, uísque barato?
Traças, suores, medos de uma nova ditadura, a falta de água e um novo pré 39,
sem a Santa Madre URSS, sem os maquis, sem Apolônio de Carvalho.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

UM MEDO NOS ATORMENTA

Um medo nos atormenta
todos os dias.

Minto:
um medo nos atormenta
a cada instante que respiramos,
transamos, nos odiamos.

A morte é seu nome.

Caminhamos sempre em frente
- com estratégicas paradas
e recuos não táticos -
vencer a vida?

O futuro está logo ali,
longe, no final do túnel inacabado.

A morte ri, às gargalhadas,
banguela e sádica,
e nos espera a cada esquina,
- com um caco de vidro,
uma faca ou uma dose de estricnina -
a cada fuga, e cadafalso.

A sua mão amiga e libertadora,
qual uma mãe universal
- puta ou concubina -
conduz-nos para a nossa única verdade:
não somos eternos!

Somos apenas carentes,
carentes de amor, de desejo, de sonhar,
carentes de viver, de buscar o futuro,
que a cada dia
- a cada noite, a cada farra -
passam por nós sem que o percebamos.

O futuro está aqui,
- ou ali ou acolá -
o futuro presente,
o futuro, futuro mesmo é a morte,
com seu sorriso,
mais lindo que o mais lindo presente.

Ser eterno é viver,
cada momento em sua possível infinitude.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

NÃO ME INFARTA

Não me infarta
perder o poema
ou a inspiração.

Como um amante
ou um avião:
eles sempre voltam,
e pedem reconciliação:
um pouso tranquilo.

Importa-me
que venham, às vezes,
quando estou no banho,
ou amando,
quando estou em oração,
e digo:
como é incômoda a função do poeta,
mas, sorrateiramente, sorrio,
e o poema nasce.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

MÃOS QUE PENTEAVAM MEUS CABELOS

Gostaria muito de poder andar, não posso.
Adoraria ser feliz, não pude.

Frequentei os puteiros de minha cidade natal,
Carpina.
Ganhava afagos, mãos que penteavam meus cabelos,
refrigerantes.
Um frio percorria minha barriga,
congelava meu sangue nas veias,
apenas um sorriso tímido conseguia esboçar.

Gostaria muito de poder jogar futebol, não posso.
Adoraria trabalhar no que me desse prazer, não pude.