quinta-feira, 23 de agosto de 2018

SONETO DA TRISTE HERANÇA

Andava triste, por nunca conseguir um agente para os meus poemas,
tudo parecia tão fácil na biografia dos poetas mortos.
Peguei o meu copo com uísque, entre as trêmulas mãos dos meus cinquent’anos,
pensei num suicídio ou num bolero: melhor um gole.

Busquei refúgio nos meus livros, tantos deles desertaram a esta hora da batalha,
mas aqueles que ficaram diante de minha decadência anônima, animaram-me.
Abriu-os, livres como um corpo que dança ou se joga ao infinito espaço,
o tempo, instrumento de nossas alucinações, engana-nos na sua imensidão.

O gelo, o copo, a mão trêmula, a ingestão da substância efêmera,
como efêmera é a nossa existência posta aos cinco sentidos,
animal faminto, o homem, a mulher, a libido, o som, o que é desvairado.

Abro um livro, um poema de Quintana, por que o busco: ingrata solidão, uísque barato?
Traças, suores, medos de uma nova ditadura, a falta de água e um novo pré 39,
sem a Santa Madre URSS, sem os maquis, sem Apolônio de Carvalho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário