quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

A LUTA DOS HOMENS PELO PÃO


Se a vida
fere o tempo                                                                             
e vai
deveremos desistir?

Ou será que
alguma vida vai
sem precisar ferir?

Acaso não há diferença
entre o homem
que apenas passa
e o homem que luta, Carlos? [*]

Haverá também
diferença nas lutas?
Entre o que luta
pelo pão
e o que luta
para que não se lute
mais pelo pão?

[*]Marighella e Lamarca.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

ODE AO ATEÍSMO

                                    
Quero excluir deus de todos os meus poemas.

Da bíblia ao corão, do Bagavadguitá ao Torá,
da infância e da idade da razão.

Quero excluir deus da cachaça, do cigarro
do suor, do trabalho e da rebelião.

Quero excluir deus de toda a minha pequena existência:
do meu câncer, do meu infarto e da minha depressão.

Não posso creditar a tal figura invisível
a minha dor ou a minha felicidade.

Tudo depende de mim?
Tudo depende do sistema em que vivo:
o cruel Leviatã.

Assim pesam o filosofo, o bêbado, o perdedor,
o ateu e o socialista
que existem dentro de minha inconsciência.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

AOS MESTRES, COM CARINHO!

 
                   
                      
 Para Bandeira e Drummond

Poeta, que tantos filhos teve,
e num torpedo suicida, criou-os.
Menor? Para mim um rei.
Por isso me intitulo poeta microscópico,
um filho que não vingou.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O GATO DE KAFKA


Todas as sextas-feiras,
aos finaizinhos das tardes,
assomam em mim vibrantes explosões da alma.
Serão também explosões do corpo?

Um enxame de flores, sensações e insetos,
desembocam num rio que trago escondido no peito.
Apenas Emília,
amor maior da minha infância, teve acesso às suas águas.

Mas Emília,
branca como um anjo de uma asa só,
morreu...

Um dia, depois ler Kafka,
tomar uma limonada e sonhar:
transformou-se em pássaro.
Um pássaro mais lindo
que o amanhecer em Pontas de Pedra;
mais lindo que os sorrisos
de Claras, Rosas, Lourdes...
Inebriante pássaro, mais lindo que o próprio sorriso de Emília!

Mas uma noite, enquanto cantava,
um gato a devorou...
Meu Deus...
Apenas Emília e o mar faziam-me felizes.
Nessas horas, nesses instantes de lembranças, saudades e medos,
vibro-me, uma corda retesada, um epilético,
um quase morto.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

RÉQUIEM PARA MINHA MORTE



Abertura
Ao som de Tchaichovsky e Capiba

Cenário
Bares e poetas amigos (vivos ou ausentes)

Erickson
Conheci Erickson Luna no Chambaril do Júnior, no dia 30/11/04, sua voz tonitruante, seus livros, seus poemas, sua vontade de mudar o mundo, seu socialismo alcoólico, seu amor aos amigos... Tornamo-nos amigos, inevitável!

Conhecia o Poeta de histórias contadas pelo primo Ítalo - que conviveu e produziu músicas com ele quando eram jovens - que um dia, depois de morar 20 anos no Rio de Janeiro, perguntou-me: Erickson ainda é vivo?

Em “Do moço e do bêbado”:

"Bê-a-Bá"
“Bicados num beco de mim
aos baques
bradam Baco e Bakunin”

Espinhara
Era sério o Chico, reservado, sisudo, sempre de chapéu e o eterno amigo Bráulio a tiracolo. Não dava trela, mesmo no Quitanda Vinil - que tive a honra de batizar - eram sempre os dois. Olhávamos, questionávamos, pedíamos, brincávamos, mas aquela amizade era intransponível, que o diga Camila, a musa.

De
 “Bacantes” escolho o canto IX das “Pluralidades”:

“Tudo era muito fácil: não era uma questão de
um abrir e fechar de olhos, mas de um abrir e
fechar de pernas. Para ela era assim.”

Alberto
Ainda na adolescência, conheci Alberto da Cunha Mello, nos livros, é claro. Busquei alguns encontros, mas o cara era difícil. Fui músico, de péssima qualidade, escrevi alguns poemas de caráter duvidosos e assim a vida prosseguiu. Apenas uma vez ele leu um poema meu em um concurso da Católica,
 Apocalipse – em quatro cantos, e confessou – confessar é por minha conta – que o meu, era o melhor poema do concurso. Quase não dormi.

Do
 “Noticiário”:


“Rute,
a mundana do cais”

“Nem tudo e nem todos
Estão perdidos.
Só Rute e o Ocidente
estão perdidos.

Quando o garçom
jogou-lhe uma cadeira
e expulsou-a da terra,

o Time silenciou
e ‘O Estado de São Paulo’
escolheu divulgar
as últimas olimpíadas.

Um dia
o sol explodirá
e os maus também desaparecerão.
Que consolo, hein, Rute?”



França
Fumamos maconha juntos, em Olinda alta – dizíamos bonconha –
 eu, o poeta aleijado; França, Europa e Bahia, e o poeta Paper, compositor, filósofo e amigo. Conhecemo-nos no bar de Carlinhos Granja, onde fui levado por Erickson, para onde confluíam as boas almas e os loucos da cidade. Quem vive ainda?


De “Cafuné”, que pescamos em Interpoética:

“À MORTE
 – por ser imortal,
Ergo um brinde, dizendo:
-
 À NOSSA VIDA!
e ela responde ofendida:
-
 NÃO ME ESCAPARÁS!”


Grande Final
Erickson
 partiu. Tive a oportunidade de usufruir de sua cultura, inteligência e amizade.

Espinhara, conhecia apenas de vista, queria a sua amizade, mas ele vivia um momento especial em sua depressão cotidiana.

Alberto, nunca tive a oportunidade de, no bar do Seu Hélio, tomarmos uma cervejinha ou um uísque, às nove da manhã e conversarmos sobre poesia e a existência.

França, nunca vou me esquecer do nosso baseado compartilhado e da sua maneira ímpar e doce de reconhecer os amigos.

Já perdi tantos amigos, que tenho hoje um grande desejo, partir antes de vocês:
Carlos Granja, Chico Pena Branca, Adriel Evangelista e Carlos Maia.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A POESIA É MORTE


                        
A poesia é morte,
não há outro tema.
 
A infância que passou,
o amor que se foi...
 
Qual outro enredo senão a ruína?
O nascimento do filho?
O novo amor?
A recente trepada?
Passado.
 
Não existe o presente,
a não ser por um instante que já foi.
 
Não existe o futuro,
o futuro é presente,
o presente é passado. 
Morte, a minha noiva eterna!

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

ABRO-ME AO MUNDO


Abro-me ao mundo!
Venham sobre mim
todas as dores e desejos:
besta quem pensar que posso suportá-los,
não tenho os ombros de Drummond.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

ALMEJO O NADA

 

Almejo o nada.

O poema abstrato:
sem forma, sem sentimentos,
sem cor.

Almejo a morte!

O que sou?
Uma marionete em mãos divinas?

Qual a essência do mal?
Se vim do bem: Deus?

Quem és, Senhor?
Quem sou?
És um sádico? Um alquimista?

E eu apenas um verme
ingrato ao meu criador?

Almejo o nada: sem dor!

O que seria a vida, sem dor,
senão o paraíso?

Almejo o quanto antes
o último poema!
O infarto libertador!

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

AOS DEZ ANOS DE IDADE

"Mas havia o sol da manhã e o rum
que eu sabia vinha de Cuba
junto com uma grande dose de igualdade."


Aos dez anos de idade,
o meu mundo ainda era azul,
apesar da poliomielite que aos poucos
enegrecia meu coração,
transformando minhas pernas em fardos
e em poesia as de Garrincha.

Baleias, também azuis,
navegavam na minha imaginação
e nos mares de Pontas de Pedra e Gaibu.

Pensamentos, palavras, mulheres nuas
e o frevo me esquentavam a alma
junto com marchinhas de carnaval.

E as colchas de retalhos de Vó Lídia
esquentavam minhas pernas
nas noites frias de minha vida.

Mas havia o sol da manhã e o rum
que eu sabia vinha de Cuba
junto com uma grande dose de igualdade.

E tudo enchia os meus olhos e a minha vidinha:
mulheres de verdade desfilavam de biquínis
e elas enchiam meus olhos
e me torturavam de desejos.

Era doce a vida, era doce o mar,
ainda não havia a desilusão do amor,
da amizade e da política.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

BAR DO COPO SUJO


A chuva não pára, incessante,
parecendo mais um cenário
de um conto de Tchecov.

A chuva, torrencial, chorando:
uma muralha chinesa?
Uma legião do exército romano?
O general inverno russo,
para pesadelo de Hitler, Churchill ou Napoleão?

Mas de verdade,
de verdade mesmo,
é apenas chuva
que um bom guarda-chuva
consegue vencer.

Mas um poeta,
numa terça-feira à noite,
bêbado,
imagina um monstro sagrado
a separá-lo do seu grande amor.

E como vencê-lo?
E o poeta, cada vez mais bêbado,
no Bar do Copo Sujo,
insiste, Dona Detinha, a saideira,
a chuva há de parar.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

BIBLIOTECA


A minha pequena biblioteca
composta de duas estantes
e no máximo mil e um livros
não causa pesadelos a um bom leitor.

Não chega a ser um labirinto descrito por Borges,
(cabe bem quietinha num pequeno quarto
do meu pequeno apartamento)
ou um pesadelo imaginado por Kafka
(pesadelo que vivemos todos os dias,
seja no trânsito, na busca por justiça,
ou em não entendermos qual o sentido da vida)
penetrá-la e desvendá-la por inteiro.

Mas, por que não a venço,
se conheço seus caminhos, segredos
e percalços?

Todo bom boêmio,
todo poeta
tem vários amores.

Meu corpo e minha alma
possuem daquele fogo de que fala Camões.

O mesmo prazer de ter em minhas mãos
um livro, e lê-lo;
o tenho também pelo sexo, e praticá-lo;
pela noite, e vivê-la;
pelo álcool, e embriagar-me;
pelos amigos, e desfrutá-los;
enfim, o prazer da busca do êxtase! 

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

CABO DE SANTO AGOSTINHO


Nunca vivi a minha infância qual um menino da minha idade
Minino! -,
caçar passarinho,
jogar bola em terreno baldio,
espiar as meninas nuas tomando banho de rio,
tomar banho de rio.

Meu refúgio foram os livros.

Como posso recordar, sem inveja, as lembranças de Bandeira,
Rua da União...

Feito um marginal,
a traição como matador de aluguel,
a poliomielite me atacou na esquina
(paradoxalmente, como amo os marginais!)
e as minhas pernas me fizeram mais falta na infância
do que um bom atacante às seleções de Telê Santana
(aquilo é que era futebol! Pura arte!
Mas faltava um atacante...)

Quando me tornei homem,
(confesso que hoje preferiria a infância,
mesmo sem as pernas!)
descobri que os livros
não preencheram os espaços
da falta de empinar papagaio,
de correr atrás de uma bola de gude,
de brincar de pega com as meninas na hora do recreio,
no pátio do colégio,
de namorar as putas no mato,
que nem Manuel e Java, filhos de Dona Terezinha,
Toinho, filho de Dona Cina,
meu irmão Itamárcio e o primo Itamar.

Que falta me molhar na chuva:
Não pude!