quinta-feira, 6 de setembro de 2018

NADA DEVE SER PARA SEMPRE

Hoje já podemos chegar aos oitenta anos
por conta da ciência, maldita ciência,
e os seus lucros estratosféricos.

Mas pagamos um preço, além dos caros remédios que nos consomem a parca pensão:
a catarata, a fragilidade dos ossos e suas dores,
as doenças demenciais,
o excesso de sono, a baba, a solidão e uma sensação
de que fomos esquecidos aqui na terra por deus, para quem o acredita,
ou pela natureza, para os ateus.

A dor é um instante do passado,
imagine-a, para sempre, infinita.

A saudade teve o seu tempo,
mas o mesmo tempo a curou.

Não posso querer que meu filho seja perenemente uma criança,
quero ser cuidado,
que o filho seja pai,
que o pai, um dia, seja filho.

Pense numa eternidade se as guerras não acabassem
(será que elas acabam mesmo?).

Prender alguém até a morte, por um crime babaca,
já é um terror.
Só a morte libertará os excluídos e enjaulados pelo sistema.

Por fim,
não quero eternamente minha sádica depressão,
que não desgruda do meu pé.

Caso a imortalidade um dia seja real,
inventaremos um antídoto que nos faça mortal.

Caso o antídoto não seja real,
sempre existirá a faca da cozinha,
o revolver do medo,
o abismo para o último voo.

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