Hoje
já podemos chegar aos oitenta anos
por
conta da ciência, maldita ciência,
e
os seus lucros estratosféricos.
Mas
pagamos um preço, além dos caros remédios que nos consomem a parca pensão:
a
catarata, a fragilidade dos ossos e suas dores,
as
doenças demenciais,
o
excesso de sono, a baba, a solidão e uma sensação
de
que fomos esquecidos aqui na terra por deus, para quem o acredita,
ou
pela natureza, para os ateus.
A
dor é um instante do passado,
imagine-a,
para sempre, infinita.
A
saudade teve o seu tempo,
mas
o mesmo tempo a curou.
Não
posso querer que meu filho seja perenemente uma criança,
quero
ser cuidado,
que
o filho seja pai,
que
o pai, um dia, seja filho.
Pense
numa eternidade se as guerras não acabassem
(será
que elas acabam mesmo?).
Prender
alguém até a morte, por um crime babaca,
já
é um terror.
Só
a morte libertará os excluídos e enjaulados pelo sistema.
Por
fim,
não
quero eternamente minha sádica depressão,
que
não desgruda do meu pé.
Caso
a imortalidade um dia seja real,
inventaremos
um antídoto que nos faça mortal.
Caso
o antídoto não seja real,
sempre
existirá a faca da cozinha,
o
revolver do medo,
o
abismo para o último voo.