quinta-feira, 27 de setembro de 2018

INEXISTIR

Há poemas 
que se negam a nascer
por inteiro.

Mostram-se apenas um bracinho,
uma perninha,
um sorriso.
Apenas o necessário para que nos apaixonemos.

Mas negam-se a nascer...
O motivo?
Sabe-se lá...

Travessuras, talvez.

Tenho vários desses quase rebentos.
Habitam as minhas gavetas,
dentre os meus livros,
em folhas amareladas 
e pintadas com meus rabiscos,
à espera de que amadureçam.

Mas é inútil.
São travessos.
Apenas pequenos poemas travessos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

DESCOBERTA

Enquanto escrevo poeminhas,
pensando em mudar o mundo e comer menininhas
(o Lobo Mau é um babaca!),
somos comandados pela lógica da guerra:
primeira guerra, segunda guerra, holocausto palestino,
Bálcãs, Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Ucrânia, Venezuela...
Quando serei a vítima?
Quando a bomba atingirá minha cabeça, os meus filhos,
o meu povo, a nossa honradez?

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O ÁLCOOL

Como é líquido o bebo.
Mas se fosse sólido e maleável aos dentes o comeria.
Pedra? O destroçaria até o ponto de consumo.
Éter? Viajaria em sua órbita junto com minha solidão.
Ah o álcool e suas fantasias!
Já fui mouro, capitão, menino de recados, marinheiro,
bandido perigoso procurado pela polícia, um Lúcio Flávio,
um Mordido do Porco.
Viajei com Cervantes, Dom Quixote e seu fiel escudeiro, o Sancho Pança,
onde nos confraternizamos com Júlio Verne e Isaac Assimov.
O álcool, conhecido por todos os povos, junto com a nefasta religião.
Sem o álcool, sou um funcionário público de oitava categoria,
tentando entender o mundo através dos livros, da música e da poesia;
da mediocridade, que alguns chamam de meritocracia, dos amigos e das mulheres, todos perdidos.
Sem o álcool encontro o nada, sou o nada, busco o nada:
na solidão, no pulo do décimo sétimo andar.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

NADA DEVE SER PARA SEMPRE

Hoje já podemos chegar aos oitenta anos
por conta da ciência, maldita ciência,
e os seus lucros estratosféricos.

Mas pagamos um preço, além dos caros remédios que nos consomem a parca pensão:
a catarata, a fragilidade dos ossos e suas dores,
as doenças demenciais,
o excesso de sono, a baba, a solidão e uma sensação
de que fomos esquecidos aqui na terra por deus, para quem o acredita,
ou pela natureza, para os ateus.

A dor é um instante do passado,
imagine-a, para sempre, infinita.

A saudade teve o seu tempo,
mas o mesmo tempo a curou.

Não posso querer que meu filho seja perenemente uma criança,
quero ser cuidado,
que o filho seja pai,
que o pai, um dia, seja filho.

Pense numa eternidade se as guerras não acabassem
(será que elas acabam mesmo?).

Prender alguém até a morte, por um crime babaca,
já é um terror.
Só a morte libertará os excluídos e enjaulados pelo sistema.

Por fim,
não quero eternamente minha sádica depressão,
que não desgruda do meu pé.

Caso a imortalidade um dia seja real,
inventaremos um antídoto que nos faça mortal.

Caso o antídoto não seja real,
sempre existirá a faca da cozinha,
o revolver do medo,
o abismo para o último voo.