quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O GATO DE KAFKA


Todas as sextas-feiras,
aos finaizinhos das tardes,
assomam em mim vibrantes explosões da alma.
Serão também explosões do corpo?

Um enxame de flores, sensações e insetos,
desembocam num rio que trago escondido no peito.
Apenas Emília,
amor maior da minha infância, teve acesso às suas águas.

Mas Emília,
branca como um anjo de uma asa só,
morreu...

Um dia, depois ler Kafka,
tomar uma limonada e sonhar:
transformou-se em pássaro.
Um pássaro mais lindo
que o amanhecer em Pontas de Pedra;
mais lindo que os sorrisos
de Claras, Rosas, Lourdes...
Inebriante pássaro, mais lindo que o próprio sorriso de Emília!

Mas uma noite, enquanto cantava,
um gato a devorou...
Meu Deus...
Apenas Emília e o mar faziam-me felizes.
Nessas horas, nesses instantes de lembranças, saudades e medos,
vibro-me, uma corda retesada, um epilético,
um quase morto.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

RÉQUIEM PARA MINHA MORTE



Abertura
Ao som de Tchaichovsky e Capiba

Cenário
Bares e poetas amigos (vivos ou ausentes)

Erickson
Conheci Erickson Luna no Chambaril do Júnior, no dia 30/11/04, sua voz tonitruante, seus livros, seus poemas, sua vontade de mudar o mundo, seu socialismo alcoólico, seu amor aos amigos... Tornamo-nos amigos, inevitável!

Conhecia o Poeta de histórias contadas pelo primo Ítalo - que conviveu e produziu músicas com ele quando eram jovens - que um dia, depois de morar 20 anos no Rio de Janeiro, perguntou-me: Erickson ainda é vivo?

Em “Do moço e do bêbado”:

"Bê-a-Bá"
“Bicados num beco de mim
aos baques
bradam Baco e Bakunin”

Espinhara
Era sério o Chico, reservado, sisudo, sempre de chapéu e o eterno amigo Bráulio a tiracolo. Não dava trela, mesmo no Quitanda Vinil - que tive a honra de batizar - eram sempre os dois. Olhávamos, questionávamos, pedíamos, brincávamos, mas aquela amizade era intransponível, que o diga Camila, a musa.

De
 “Bacantes” escolho o canto IX das “Pluralidades”:

“Tudo era muito fácil: não era uma questão de
um abrir e fechar de olhos, mas de um abrir e
fechar de pernas. Para ela era assim.”

Alberto
Ainda na adolescência, conheci Alberto da Cunha Mello, nos livros, é claro. Busquei alguns encontros, mas o cara era difícil. Fui músico, de péssima qualidade, escrevi alguns poemas de caráter duvidosos e assim a vida prosseguiu. Apenas uma vez ele leu um poema meu em um concurso da Católica,
 Apocalipse – em quatro cantos, e confessou – confessar é por minha conta – que o meu, era o melhor poema do concurso. Quase não dormi.

Do
 “Noticiário”:


“Rute,
a mundana do cais”

“Nem tudo e nem todos
Estão perdidos.
Só Rute e o Ocidente
estão perdidos.

Quando o garçom
jogou-lhe uma cadeira
e expulsou-a da terra,

o Time silenciou
e ‘O Estado de São Paulo’
escolheu divulgar
as últimas olimpíadas.

Um dia
o sol explodirá
e os maus também desaparecerão.
Que consolo, hein, Rute?”



França
Fumamos maconha juntos, em Olinda alta – dizíamos bonconha –
 eu, o poeta aleijado; França, Europa e Bahia, e o poeta Paper, compositor, filósofo e amigo. Conhecemo-nos no bar de Carlinhos Granja, onde fui levado por Erickson, para onde confluíam as boas almas e os loucos da cidade. Quem vive ainda?


De “Cafuné”, que pescamos em Interpoética:

“À MORTE
 – por ser imortal,
Ergo um brinde, dizendo:
-
 À NOSSA VIDA!
e ela responde ofendida:
-
 NÃO ME ESCAPARÁS!”


Grande Final
Erickson
 partiu. Tive a oportunidade de usufruir de sua cultura, inteligência e amizade.

Espinhara, conhecia apenas de vista, queria a sua amizade, mas ele vivia um momento especial em sua depressão cotidiana.

Alberto, nunca tive a oportunidade de, no bar do Seu Hélio, tomarmos uma cervejinha ou um uísque, às nove da manhã e conversarmos sobre poesia e a existência.

França, nunca vou me esquecer do nosso baseado compartilhado e da sua maneira ímpar e doce de reconhecer os amigos.

Já perdi tantos amigos, que tenho hoje um grande desejo, partir antes de vocês:
Carlos Granja, Chico Pena Branca, Adriel Evangelista e Carlos Maia.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A POESIA É MORTE


                        
A poesia é morte,
não há outro tema.
 
A infância que passou,
o amor que se foi...
 
Qual outro enredo senão a ruína?
O nascimento do filho?
O novo amor?
A recente trepada?
Passado.
 
Não existe o presente,
a não ser por um instante que já foi.
 
Não existe o futuro,
o futuro é presente,
o presente é passado. 
Morte, a minha noiva eterna!

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

ABRO-ME AO MUNDO


Abro-me ao mundo!
Venham sobre mim
todas as dores e desejos:
besta quem pensar que posso suportá-los,
não tenho os ombros de Drummond.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

ALMEJO O NADA

 

Almejo o nada.

O poema abstrato:
sem forma, sem sentimentos,
sem cor.

Almejo a morte!

O que sou?
Uma marionete em mãos divinas?

Qual a essência do mal?
Se vim do bem: Deus?

Quem és, Senhor?
Quem sou?
És um sádico? Um alquimista?

E eu apenas um verme
ingrato ao meu criador?

Almejo o nada: sem dor!

O que seria a vida, sem dor,
senão o paraíso?

Almejo o quanto antes
o último poema!
O infarto libertador!