quinta-feira, 24 de novembro de 2016

SILVIA



O amor
é como lança cravada
no coração, sem anestesia.

Infarto?

Quando não correspondido,
é dor,
mais forte que ressaca
de vinho barato
ou os insuportáveis
cálculos renais.

O amor é seta
constantemente disparada.

É tortura, se amamos sozinho.

Deseja o homem a sua mão
na mão da mulher que não o quer?

O destino,
(existirá o livre arbítrio, Baruc?)
criatura cruel e cínica;
Pai que nos colocou
frente a frente:
teus olhos, cabelos, seios e sorrisos
a acender o meu desejo.

Em resposta, o teu desejo
inerte, sonolento,
à espera de que o despertem,
clama por quem não sou.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

FAMÍLIA


No tempo de minha infância,
os poetas eram todos mortos
e os poemas, seus fantasmas,
que só poderiam ser encontrados
em antigos castelos.

Mas, como os livros
têm pernas e desejos,
um dia acabei topando com um,
como uma pedra no meu caminho.

E hoje a poesia me é tão íntima
como um homem e suas memórias.

Às vezes, como quaisquer amantes,
nos desentendemos
e ela me bate na cara,
abandona-me durante várias
noites e dias,
entre a insônia e a febre do álcool,
mas eu não ligo.

Às vezes, como costumam fazer
os amantes,
nos enroscamos
e sobre o papel
de meus velhos cadernos
surgem rebentos,
pequenos poemas,
fadados, sei, a não grandes coisas.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

ALFABETIZAÇÃO

 Anand Borse


Há momentos em que a razão,
nossa tão sensata amiga,
cede ao desespero, embriagada, talvez.

Há momentos em que a dor,
tão necessária para distinguirmos o prazer,
torna-se insuportável, louca, talvez.

Há momentos em que a humildade,
fiel e necessária companheira do orgulho,
desce à servilidade, cega, talvez.

Nesses momentos, é necessário
que o homem pare,
leia um bom livro,
leve uma criança aos braços,
ame uma mulher de textura leve
ou se desespere eternamente.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

ÚLTIMO POEMA

(Isadora Duncan - 1877/1927)


Que meu último poema,
depois de tanta vida vivida,
que é o mesmo que dizer:
depois de tanta vida sofrida,
fosse um poema dançante.

Um poema como um corpo
que bailasse livre
de amarras sociais
e da poliomielite.

Um poema com a cara da Isadora Duncan.

Um poema que saísse
alegre e louco
das páginas do livro
mal ouvisse o Lago dos Cisnes
de Tchaicovski
ou um frevo de Capiba.