quinta-feira, 29 de setembro de 2016

PLUTOCRACIA


Não quero amar-te como amo-me,
quero apenas usar teu corpo
como ao povo,
penetrar-te como numa tortura;
que amor político!

Quero fazer-te sofrer
e mesmo assim que me ames,
idolatre-me como uma bandeira.

Quero morder tua carne,
embebedar-me em teu sangue
fazer um banquete com teu corpo.

Quero adorar teu corpo, teu sexo, mas odiar-te.
Dizer que te amo ao ouvido,
e entregar-te a outros homens
que me paguem em dólares por ti.

Não te quero beijar,
quero cuspir em tua boca,
queimar-te com cigarros.

Quero usar-te,
usar-te como escrava,
usar-te como meio,
eu sou o fim.
Usar-te até que morras asfixiada.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

EXISTÊNCIA

 

O amor desabrochou.
Havia no peito a semente seca,
em terra árida.

Mas, com tuas mãos,
reviraste-me
e a água que brotou
dos teus olhos,
inesgotável fonte de beleza,
regou-me,
saciou-me a sede,
encharcou-me o peito e a alma,
fez-me fértil.

Alimentaste-me com tua saliva:
boca a boca.

O amor desabrochou,
maduro fruto, polpa macia.

A seiva do teu ventre e
o sumo do teu sexo fecundaram-me.

O amor renasceu
e a alma, vivente ser, sorriu.

E o corpo, efêmera morada,
novamente deseja o gozo de existir
a cada hora, a cada minuto,
a cada momento, ao teu lado.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

UMA CANÇÃO DE AMOR QUASE DESESPERADA


Silvana,
põe um teu vestido,
não precisa ser novo ou de marca,
iremos à praça.
Não há mais jardins nas praças, eu sei,
mas te levarei um retrato de uma flor
que não sei dizer o nome.

A manhã está tão linda
um cinza escuro cobre o azul,
mas não tenho medo,
se sentires pouco ar
te farei respiração boca a boca,
máscara de oxigênio a máscara de oxigênio.

Talvez sejamos presos por namorarmos,
nos acusarão de termos sentimentos,
os sentimentos são subversivos;
de estarmos apaixonados,
as paixões levam a corrupção;
de trocarmos beijos,
só os vândalos se beijam.
Pegaremos prisão perpétua?
Seremos condenados à morte?
Mas tudo bem, se este é o preço,
Se ainda há uma esperança para o amor.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A VIDA REVISITADA

Picasso

Sim, tenho saudades da vida
de boêmio que não tive,
da roda de amigos em torno
de uma mesa de um café ou bar
em que o garçom nos reconhecesse
pelo nome e preferência.

Não, não posso revisitar
boas lembranças: amores, literatura,
bebedeiras homéricas.

A minha vida,
vivi-a em repartições públicas,
as minhas lembranças
são arquivos e papéis velhos,
sem sonhos, a não ser o contracheque
no final do mês.

Revisito a minha vida,
a alma mofada,
o arquivo que virou meu coração.
Meu cérebro burocratizou-se.

O sexo... Ah o sexo!
A obrigação do ponto assinado,
sim, foi assim o sexo,
nenhuma aventura...

Quem me dera o fim
do Albino de Nabokov.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

COMBATE

“O Combate dos Centauros” - Michelangelo


Estou no centro da cidade,
estou só.
Não tenho amigos nem soldados
mas, apenas minhas mãos
que não sabem lutar,
só amam e escrevem poemas.

Todos se voltam contra mim,
o mundo todo,
são mulheres, homens e crianças,
todos famintos,
todos ferozes.

Parado.
Mãos paradas,
um objeto, um número,
com o medo nos olhos,
com o medo no estômago,
por que me odeiam?