quinta-feira, 30 de outubro de 2014

BIOGRAFIA

Homem triste — Vetor de Stock

Pobre do meu coração
             entre grades de ossos
                           e pulmões.

E os ossos a sustentar a fraca carne
              sem proteínas.

Pobres pulmões,
             entre gases venenosos
                           da cidade.

Pobre cérebro,
             entre gases venenosos
             da anti-cultura.

E pobre de todo o meu corpo,
             entre o medo e a noite,
             entre o aço e o cimento,
                           entre a fome e a energia nuclear.

             Entre a morte
                           e a ditadura.


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

MOMENTO

Van Gogh

Sabe, cara,
no meu peito não há mais lugar para
                                  a vida.

O menino
que cheirava o enjoado cheiro
das flores,
que cantava para ter forças,
que guardava segredos
(que todos sabiam)
sob juras,
parece-me, morreu.

Já não possuo a felicidade:
                    exilou-se.

Já não ardo.
Infiltrou-se em mim o horrível cheiro
                           do desencanto.

Sabe, cara,
a vida para mim
é um desespero viver.


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

TERROR E GAL



Deus nos deu uma América Latina
                    que se afoga nas lágrimas de seu povo.
                   
Que adormece com o choro
                    convulsivo e faminto
                    de lindas e delicadas
                    raquíticas crianças.

Um bando de heróis
                    que venderam nossas terras
                    e corpos aos gringos
                    e suas almas ao Diabo.

Deus nos deu a impotência do grito.
                    A surdez e a cegueira a muitos,
                    além, é claro:
                    das ditaduras em brasa,
                    da fome feito serpente,
                    das doenças como lençóis de insetos,
                    do tédio ao meio-dia
                    e do amor carnal e cansativo feito luta.

Mas nos deu a voz de Gal para compensar,
                    que ninguém é de ferro. 


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

PAU-BRASIL (ABRASILEIRAR)


Nada me interessa que não seja bastardo.

Toda parafernália de fome, medo, ódio
                                  e tédio
enoja-me até a minha boca desdentada.

Sob esse céu de anil e bosta,
meu corpo magro grita: Porra! Porra!

Inutilmente,
       as putas já fecharam as janelas.


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

POEMA CANSADO


Companheiro,
não te posso dizer:
             Armas às mãos!
Pois nem mesmo tenho
             as armas.

Se canto este canto rouco,
poucos são os que ouvem,
pois nada tenho a oferecer,
a não ser a vontade de lutar.

Companheiro,
como é belo o escuro da noite.
Mas o escuro dos homens
                    é lodo.


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

HEMORRAGIA MOSSORONIANA


Dói a falta de tuas mãos,
a falta de tua voz,
como se um torturador ideológico
tirasse parte de mim
numa tortura abstrata,
sem ferro, sem fogo, sem força física.

Tiraste a metade do meu espírito.
                    Que dor tão doída,
                    essa dor do amor.

Vais para Mossoró
e levas para aquela terra tão calma
metade de mim choroso.

                    E minha outra metade
                    fica em hemorragia.

Mossoró, já tenho raiva de teu nome,
queres roubar meu amor.

Sou mais a , o Carmo, o Varadouro,
                    sou mais ela perto de mim.

Não me partas em dois,
                    ai, essa dor!


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

EU TE AMO


Apesar do mar,
apesar das estrelas,
apesar da poesia e da música,
da minha insignificância
ante as decisões dos homens,
de minha morte
não modificar a natureza
nem descolorir o sentido da vida,
sobra-me vontade de dizer que te amo. 


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

POEMA PARA ELIS


Sei que dói,
dói em mim a tua morte.

Talvez doa mais naqueles que te conheceram,
te tocaram, te falaram,
talvez doa mais,
talvez.

Mas o que dói mais, Elis,
é a morte daqueles
que nada deixaram gravado,
nada deixaram escrito,
nada deixaram.

O que mais me dói, Elis,
e sei que também doía mais em ti,
é a morte daqueles que morrem famintos,
(de pão e de justiça)
sim, Elis,
parece incrível,
todos os dias.