quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

FORTUNA


Um pássaro azul pousou na minha clave de fá.
A de sol recolheu-se, pois chovia.
Uma caneca de café numa mão.
A mesma cantiga matinal.
A minha, sempre presente, falta de talento.
Quis ser músico, não fui.
Guerrilheiro, não pude.
Vai ser burocrata! Gritou o destino.
Cansado de meus sonhos, dormi.
Mas a manhã insiste em nascer.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

UM CHEIRO DE VERDE FRESQUINHO


Um cheiro de verde, fresquinho,
viajando através da infância, no tempo.

A chuva, os barcos de papel,
o sol desenhado pela irmã caçula,
o cheiro da terra molhada.

O som de passarinhos que eu,
minino criado por vó,
não sabia os nomes, nem imitar.

 Java, meu amigo de infância, sabia;
as mãos em concha, o sopro, o assovio.
Além de ser campeão de botão de mesa,
peão e o que mais viesse de brincadeira.

Quantos barquinhos foram naufragados?
Os sonhos são eternos enquanto não realizados?
As canções da infância ficaram perdidas
em alguma nuvem do cérebro.

Por que sou o que sou
e não o que desejaria ser?

Pudesse voltar no tempo...
Não, é melhor não.

Uma existência de dores, depressões
e guerras perdidas, já me basta!

Melhor um copo com uísque, gelo,
a voz de Maysa e apenas me emocionar,
eternamente... Até o relógio despertar.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

EIS O POEMA!


Um poema se faz,
não com a essência da alma,
mas com matéria do corpo
aquela que apodrece.

O tempo lambeu-me.

De repente tinha dezoito anos,
daqui a pouco trinta e seis,
dormi, e ao acordar,
fiz cinquenta e dois.

Ah! Esta matemática divina.

O cheiro de canela da morte.
As amizades de fumaça.
Um canto que não consigo identificar.

Sais, preciso de sais,

meu corpo lasso,
minh'alma inexistente,
todos os meus pesadelos.

O espelho não mostra os meus desejos,

apenas as minha frustrações.
A fome, a guerra. 
O sexo insaciável,
apesar da velhice,
do ridículo.

Incenso de
 cannabis,
orgasmos múltiplos,
música e lembranças: 
eis o poema!



quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

CINQUENTA E DOIS ANOS


Aos cinquenta e dois anos de idade
e trinta e três de trabalhos alienantes
- cumprindo pena no capitalismo -
quero apenas, antes da indesejada,
a minha aposentadoria,
um bom litro de uísque e gelo
e a voz de Billie Holiday...


quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

CRIANÇA


Escuta!!!
Estou acostumado a falar sem ser ouvido.
Retira o meu poema do seu umbigo.
Coloca-o na linha azul pontilhada.
Disfarça!
Espere que ele sorria e crie coragem.