quinta-feira, 28 de julho de 2016

SINA


Os poemas estão intactos
em algum canto do universo,
letra a letra,
espaço a espaço,
palavra a palavra,
como se unidos por um fio
invisível,
prontos para os partos.

Velam-nos com um cinismo
e um sadismo
a toda prova de comparações.

Observam-nos
quando pensamos que os observamos.

Dão-se-nos pouco a pouco,
como água
a quem por muito tempo
ficou sedento,
o bastante para que não cheguemos
à loucura.

Os poemas têm nas mãos as nossas vidas.
Ser poeta é uma maldição.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

ÚLTIMOS MOMENTOS


Entrego a ti, vida,
estes meus últimos momentos
de paixão
e recolho-me qual um monge
cansado
a seu abrigo.

O amor, esqueci-o
em algum canto escuro e frio
do coração,
onde a mente já não vasculha.

O teu corpo, cobri-o
com tuas próprias vestes.

Aos teus beijos resisti
resignado,
como quando o despertar
subjuga o sonho quente ainda.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

A DOR

 

Havia o amor,
mas não julguei que ele
resistisse a distâncias.

Os meus olhos  não podem-te ver.

Já não lembro alguns detalhes
do teu rosto
(uma leve brisa em teus olhos
cor de mar?),
ou de tua voz
(guardavas nela algum rancor?),
os teus gestos mais comuns.

Mas ainda persiste em mim
a dor,
maior que a dor do parto,
pior que o desvendar
de um medo escondido,
a dor
de amar sem ser correspondido.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

FRUTAS


Li uma vez um livro
em que o amante se declarava
à amada
com um lindo poema
e dela ganhava um beijo.

“Tua boca tem a frescura
de um figo maduro...”
Disse eu à minha amada de infância.

Mas eu nunca havia provado um figo
e ela me pareceu
não ter gostado da poesia.

Foi assim o meu primeiro desencanto.

E, até hoje, desencanto após desencanto,
minha boca anseia pela tua boca
e teu hálito de figo maduro.