segunda-feira, 29 de setembro de 2014

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

MULTIDÕES


Quem calará a boca do mundo?
Quem, no meio dessa multidão, vai parar?
Quantas pernas não mais se cruzarão?

De que olhos sairão lágrimas
o bastante para nos lavar?

Que faca ou lâmina, que marginal
cortará as amarras de nossas mãos?

Brotem asas às minhas costas
como brotam as flores,
o trigo, a vinha.

Quero acima das cabeças voar
e me cegar, e ficar surdo,
e não mais falar.

Quero dormir
e não mais acordar.


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

CANTO A UM HERÓI GUERREIRO


Para José Maria Menezes Ferreira

Meu pai é de carne, osso e espírito,
mais espírito que tudo.

Sempre foi um guerreiro, sempre lutou,
sempre foi meu herói.

De mãos vazias lutou.
Lutou jovem, sofreu jovem,
jovem amou, jovem venceu.

Trazia nos pulmões o ar de Carpina,
que é muito bom.

Enfrentou monstros de trinta pernas,
vinte olhos e cem mãos.

Enfrentou sobretudo os homens,
a ganância, os generais da política,
e venceu todas as batalhas.

Que espécie de guerreiro é meu pai
que não sabe caçar?
Fazer guerra não sabe.

Será guerreiro expulso de alguma tribo
ou um ser de outro planeta?

Uma flor que virou homem
ou talvez um louco fugido de um hospício?

Um poeta?

Chamem a polícia,
os bombeiros, o oficial de justiça,
o dono da venda, o carteiro, o padre, o prefeito, o ladrão.

Que espécie de guerreiro é meu pai?

Quem o saberá?


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

PAISAGENS ANIMADAS


As pequenas casas da beira da estrada correm
com tudo que há dentro delas.

As árvores também correm,
as árvores secas, as carnaubeiras.

Correm as mulheres vadias e as lavadeiras,
as mulheres feias, as bonitas, as magras, as gordas.

Os homens fortes com pesadas enxadas correm,
os homens fracos correm menos.

Uma igrejinha de uma porta
corre...

Correm os bares:
o Boi na Brasa, o Garfo de Ouro...

Até o Bar São Francisco corre,
só eu não corro.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

VINTE ANOS


Primeiros acordes desafinados da manhã.
O sol não tocará meu coração,
mas queimará a minha pele:
ficarei bonito e infeliz.

À manhã, ao sol e à vida
tudo falta:
ritmo, harmonia, melodia,
criatividade, improviso.
A vida é uma péssima música.

Nesta manhã tediosa,
nesta tarde tediosa,
meu coração não digerirá o ódio
que eu teimo em criar
contra ratos, baratas e homens.

No entanto, a esperança,
abstrata e misteriosa,
não me abandonará,
por mais fraco que meu corpo esteja,
por mais desespero de minha alma,
de meu sopro, de minha animação.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DA CRIAÇÃO



O poeta amou sobre o papel.

E seu pênis era como uma esferográfica,
e seu esperma como tinta.

Alguns minutos de gestação:
o poema nasceu com cara de triste,
                    com cara de anjo,
                    com cara de safado,
                    com cara de fome.

E assim houve festa, júbilo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

POÉTICA III


Minha poesia cheira
             ao povo brasileiro.

             Cheira
             a suor e a sangue
             de negro, de branco, de índio.

Cheira a fome minha poesia,
             por isso a faço pequena,
             medrosa e rouca,
             como a realidade brasileira.


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

ALTO DA SÉ

(Alto da Sé - Olinda - PE) 

Luzes.

Do Alto da , as luzes.

Da cidade, as luzes.

Por meus olhos vistas, luzes.

Pelos muitos olhos da cidade,
visto.

Do alto dos olhos da cidade,
a Sé vista.

Os olhos a cidade vendo.

Vendo a Sé, os olhos,
nas luzes da cidade,
no olhar da Sé,
entre luzes o olhar:
ar(te).

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

COITO


Minha língua esmaga tua língua,
falam de amor,
falam de sede.

E nos entendemos,
e nos esmagamos.

Teus seios são dois pudins,
tenho fome
e os como.

Tu também tens fome
e me comes.

Minhas mãos te exploram
e tu entendes,
e te contorces,
e me exploras,
e me contorço.


Meu nariz te cheira
e fico tonto.

Tu me cheiras e gemes,
e te abres,
e me esperas.