quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

PARA SE TORNAR POETA

Às mulheres de Kobane:
Perdoem-me pela minha covarde ausência.

Beber umas piscinas olímpicas de uísque,
outras de vinho e algumas de vodka.

Como vivemos num país tropical,
amamos o mar e as tangas: beber,
um oceano de cerveja, apenas para hidratar.

Ter amigos que adorem a noite, a amizade e a magia.
Algum deles, com certeza, devem tocar violão
e que todos cantem e dancem a Baco e a Eros.

Conhecer o amor, a paixão e a sua ausência:
a dor da solidão.
Trair e ser traído,
- quem não o foi, que atire a primeira garrafa vazia? –
mas, nunca, mesmo diante da morte, ser desleal.

Perceber que o sexo é tão puro
quanto ser criança;
uma nuvem de Szymborska
ou uma carreira de cocaína.

Amar e malamar, amar, desamar, amar,
- não é, Drummond? -
os amigos, os amantes, os poemas,
os poetas, os perdedores, os alcoólatras, as putas,
os viados, os aleijados, os oprimidos...
Não apenas, mas principalmente estes.

Nunca desistir do amor,
pois, que sem ele, o poeta trava, enferruja,
torna-se burguês:
e o poema passa a usar paletó e gravata italiana,
sob o sol escaldante do verão nordestino.

Compreender que o dinheiro é um deus cruel e poderoso.
Buscar a verdade que é o caminho certo do ateísmo,
que é o caminho certo da libertação.
Mas, se quiser crer num Deus,
que ele seja feito a imagem e semelhança do oprimido.

Ser íntimo dos poetas mortos em suas estantes,
em seus livros, em seu coração.
E dos vivos em sua cama.

Enfim, viver, intensa e apaixonadamente.
Que o poema seja a tradução da vida.
E o seu fazer, o seu lapidar,
a tradução da luta pela liberdade e pela igualdade,
com as armas que nos oferecerem o nosso tempo.
Não é mesmo, Che?

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