Minha avó dizia:
minino, não se brinca com as coisas de Deus,
pois isto é pecado,
e ele castiga,
castiga, sim
Senhor!
Mas sabe como é minino,
brincalhão,
curioso...
e o minino brincou.
Deus passou a ser
Sued,
passou a ser
assunto de piadas,
que eu não
resistia, e contava,
e contava, e
contava.
Além de outros
pecados,
mais
cabeludos,
como “bater”
punheta,
pensando na beleza
das pernas
da minha linda
professorinha
de letras,
que um dia nos leu Os
meninos carvoeiros,
do poeta Manuel
Bandeira,
ai, senti tanta
dor!
Tudo isso até minino cansar de brincar!
E virar homem...
E um dia, já
crescido e cheio de interrogações.
O minino homem pensou,
lembrando-se das
palavras da avó,
petrificado, com
medo, suando:
será que por que
brinquei com deus ele me castigou?
Será por que
brinquei com ele,
Deus destruiu o
Iraque,
e enforcou o
Saddam?
Será por que
brinquei com ele,
Deus destruiu a
Líbia
e humilhou o
Kadafi?
Será que pelos meus
pecados
quer exterminar os
palestinos, como Hitler
queria exterminar
os judeus
ou como a Europa
quer exterminar os ciganos?
Deus me perdoa,
perdoa, perdoa!
Com todas as forças
e fé,
- fé que não tenho
-
perdoa o minino,
que não queria
tomar banho,
por que estava jogando
bola de gude,
botão de mesa,
pinhão ou
conversando safadeza
com outros mininos, amigos de infância,
que também não
ouviam os conselhos das avós.
Foi só uma
brincadeirinha de nada,
coisa de minino safado.
Não deixai mais,
deus, pelas minhas faltas e pecados,
e por não seguir os
conselhos de minha avó,
que milhões morram
de fome, de sede, de guerras, de doenças, de indiferença...
A mim bastam a
pólio e a depressão, além da velhice calhorda,
que me deixa numa
cadeira de rodas,
e o pau, que não
quer mais subir!
Apaga, meu anjo da
guarda, apaga,
do teu caderninho,
os meus pecadinhos
de minino,
por favor, imploro,
apaga.
Depois mostra a
deus, teu criador,
que eu não preciso
mais ser castigado,
punido, torturado,
enlouquecido,
com a dor do meu
próximo,
que eu sei, é culpa
minha,
pelos meus pecados,
por não acreditar
na minha avó!
Santo anjo do
senhor,
meu zeloso
guardador,
interceda por mim,
pois, com todo o
respeito,
parece que deus
dorme, ronca e peida
sobre os vermes que
criou.