quinta-feira, 26 de abril de 2018

NA (DE)PRESSÃO

Vincent Willem van Gogh 002.jpg


Copo com água,
venlafaxina de 300 mg,
glut, glut, glut.

Copo com água,
ibuprofeno de 300 mg,
glut, glut, glut.

Copo com água,
fumarato de quetiapina de 75 mg,
glut, glut, glut.

Copo com água,
clonazepam de 2 mg,
glut, glut, glut.

Copo com água,
maleato de midazolam de 15 mg,
glut, glut, glut.

Copo com água,
alprazolam de 15 mg,
glut, glut, glut.

Pronto, já estou plastificado.

Só não posso sorrir ou chorar.

Dizer como é bela a flor
ou como é horrível a guerra!

Só não posso ser ator,
talvez médico ou soldado
que não têm amor!

Não direi que te amo
ou que não te amo.

Não assinarei nenhum contrato
ou destrato.

Não casarei nem me divorciarei.

Não posso ser ou deixar de ser,
pois, já estou plastificado.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

CORRAM, LÁ VÊM OS AMALDIÇOADOS

Famílias inteiras assassinadas pelo soldados dos EUA no Iraque

Vim,
vi,
olhei
e não entendi.

Vim,
vi,
entreguei-me
e fiquei emocionado.

Vim,                                                
vi,
não tinhas forças
e as busquei em um vinho sagrado.

Vim
vi,
provei
e fiquei viciado.

Vim,                                                                          
vi,
lutei

mas fui derrotado.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

OS CONSELHOS DE MINHA AVÓ


Minha avó dizia:
minino, não se brinca com as coisas de Deus,
pois isto é pecado, e ele castiga,
castiga, sim Senhor!

Mas sabe como é minino,
brincalhão, curioso...
e o minino brincou.

Deus passou a ser Sued,
passou a ser assunto de piadas,
que eu não resistia, e contava,
e contava, e contava.

Além de outros pecados,
mais cabeludos, 
como “bater” punheta,
pensando na beleza das pernas
da minha linda professorinha
de letras,
que um dia nos leu Os meninos carvoeiros,
do poeta Manuel Bandeira,
ai, senti tanta dor!

Tudo isso até minino cansar de brincar!
E virar homem...

E um dia, já crescido e cheio de interrogações.
O minino homem pensou,
lembrando-se das palavras da avó,
petrificado, com medo, suando:
será que por que brinquei com deus ele me castigou?

Será por que brinquei com ele,
Deus destruiu o Iraque,
e enforcou o Saddam?

Será por que brinquei com ele,
Deus destruiu a Líbia
e humilhou o Kadafi?

Será que pelos meus pecados
quer exterminar os palestinos, como Hitler
queria exterminar os judeus
ou como a Europa quer exterminar os ciganos?

Deus me perdoa, perdoa, perdoa!
Com todas as forças e fé,
- fé que não tenho -
perdoa o minino,
que não queria tomar banho,
por que estava jogando bola de gude,
botão de mesa,
pinhão ou conversando safadeza
com outros mininos, amigos de infância,
que também não ouviam os conselhos das avós.

Foi só uma brincadeirinha de nada,
coisa de minino safado.

Não deixai mais, deus, pelas minhas faltas e pecados,
e por não seguir os conselhos de minha avó,
que milhões morram de fome, de sede, de guerras, de doenças, de indiferença...

A mim bastam a pólio e a depressão, além da velhice calhorda,
que me deixa numa cadeira de rodas,
e o pau, que não quer mais subir!

Apaga, meu anjo da guarda, apaga,
do teu caderninho,
os meus pecadinhos de minino,
por favor, imploro, apaga.

Depois mostra a deus, teu criador,
que eu não preciso mais ser castigado,
punido, torturado, enlouquecido,
com a dor do meu próximo,
que eu sei, é culpa minha,
pelos meus pecados,
por não acreditar na minha avó!

Santo anjo do senhor,
meu zeloso guardador,
interceda por mim,
pois, com todo o respeito,
parece que deus dorme, ronca e peida
sobre os vermes que criou.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

LEALDADE


Gostaria de ser fiel.
Estou sendo sincero,
gostaria sim, muito.

Mas a minha alma,
a minha essência, é de bandoleiro,
errante,
e meu coração e cérebro se processam
a mil.

Não, não, não,
não sou infiel à minha família,
parentes ou amigos,
estou sempre presente,
podendo ou não podendo,
curtindo ou me phodendo.
Não, não, não,
não sou infiel às minhas convicções,
por nada abriria mãos delas,
mesmo diante da morte
que é o nosso maior bem,
talvez o único.

Não, não, não, 
minha família, meus amigos,
mesmo aqueles apenas de mesa
de bar,
meus desejos, o álcool, a poesia,
minha confiança total no socialismo,
meu ateísmo que não quer convencer
ninguém, mas apenas viver em paz,
estão guardados, dentro de uma caixa,
feita de diamantes,
e incrustada no meu coração.

Não, não, não,
não posso colocar a culpa da
minha infidelidade apenas na genética,
ou posso?

A beleza, a arte, o carinho, o encanto,
o mimo, o despertar fazem renascer
a química do amor, do desejo e do sexo.

Como gostaria de ser fiel
- nem mesmo deus sabe dos meus segredos -
pois ele não existe.

Talvez a arte, a poesia, a visão,
o olfato, ah o olfato...
Casado, não consigo deixar de me apaixonar,
quase que diariamente, por um poema
- ou uma mulher -
que sorri, que olha, que passeia:
em busca de agrado, de carinho, de amor, de felicidade.

Horror, horror, horror!
- obrigado, Shakespeare -
como gostaria de ser fiel,
apesar de ser leal.