Dedico este poema a todos que, como Vinícius de Moraes,
considerem o uísque o melhor amigo do homem.
Quando nasci em
Carpina, em 1962,
para uma vida de
merda,[1]
não havia nenhum anjo
safado de plantão,[2]
Com um ano de idade, a pólio me abraçou
como uma camisa de
força a um louco
e me deixou sequelas
no corpo e na alma.
Aos dez anos me
descobri poeta,
mas não contei para
ninguém,
até hoje poucos me
sabem poeta
(ou poucos me leem?).
Cresci, amei, casei,
tive filhos,
amei e casei, amei e
casei novamente,
depois amei, amei,
amei, amo
e continuarei a amar,
até o dia em que o
deus de Mário Quintana
canse da minha cara.
toquei contrabaixo com
meu primo Ítalo,
que me apresentou à
MPB:
Chico, Caetano,
Belchior, Ednardo.
Mesmo aleijado, cursei a faculdade,
abandonei outros dois
cursos com os quais não me identifiquei,
abandonei também
algumas pessoas
outras me abandonaram,
e mais outras, e mais outras.
Tive a minha primeira
crise de depressão aos 23 anos de idade,
e ela nunca mais me
abandonou.
Para sobreviver, fiz vários concursos públicos,
passei em vários,
trabalhei em cinco,
dos quais um de nível
superior.
Em outro de nível superior, fui chamado, mas não quis,
Em outro, fui preterido:
Meu mandado de
segurança durou doze anos para ser julgado,
parece-me que a
justiça é lenta
(Ou será impressão?
Serão meus óculos vencidos?)
Cursei uma
pós-graduação,
passei numa seleção de
mestrado,
o qual não concluí por falta de saco.
No meu emprego atual, várias vezes fui premiado
(em quatro edições,
três prêmios)
por minha dedicação,
qualidade dos meus trabalhos,
produtividade etc.
Afinal, é de lá que
ganho para o gim das crianças[7].
Publiquei dois livros
de poesias,
(Se Não Canto Pelo
Menos Grito, 1983
e Apocalipse e Outros
Poemas, 1989)
publiquei um livro de
contos
(A Construção e
Outros Contos, 1991).
Estudei um pouco de
canto e gravei um CD
(Maracatu Pra Ela,
2003)[8].
Afora o que se refere
à arte e ao amor,
todo o resto que falei aí em cima,
para mim, é merda,
só valendo como moeda
nesta sociedade capitalista
em que somos obrigados
a cumprir pena.
Mas, como no poema de
Drummond,
sempre nos etiquetam
um rótulo:
ladrão, bicha,
maconheiro[9], comunista,
cachaceiro,
menino do prozac,
ateu.
Enquanto isso, os políticos de plantão negociam nosso país.
E, como na música do Rei:
“E que tudo mais vá
tomar no cu”[10].